Sexta-feira, 20 de maio de 2004.
Estava participando de uma passagem em sala de aula, fazendo uma breve apresentação e divulgando um seminário do grupo político do qual faço parte na UFPE. Além de mim, estava presente mais uma companheira e um companheiro desse grupo. Combinamos que eu faria a apresentação do grupo e o companheiro o convite ao Seminário.
Iniciamos por uma sala de ciências sociais e, logo em seguida, entramos em uma sala do curso de história. Ao entrar na sala, fui surpreendida por assovios intensos, logicamente direcionados a mim e a outra companheira. De cara, isso nos constrangeu, mas continuamos nos dirigindo à frente da sala, no intuito de concretizar a passagem.
Ao cumprimentar o professor que ministrava a aula (um professor MUITO conhecido na UFPE), fui mais uma vez surpreendida por uma frase do próprio professor, que dizia:
“você está deslumbrante com esse vestido amarelo”.
Um elogio à beleza feminina?
Não consigo expressar com palavras o que senti naquele momento. Era como se em uma fração de segundos eu tivesse passado de uma estudante para um corpo engarrafado em um vestido amarelo. A sala toda deu gargalhada. Na hora, o constrangimento se misturou a um sentimento de indignação, revolta.
Estava confusa! Não sabia se fazia mais sentido falar o que tinha planejado (a apresentação do grupo) ou iniciar uma discussão de gênero, falar sobre a posição da mulher na sociedade em que vivemos. Estou certa que a última alternativa era a mais oportuna, contudo confesso que não tive forças para fazer essa reflexão. Me senti pequena, senti que se eu falasse todos iriam rir da minha cara, me senti oprimida!
Quando já havia saído da sala escutei mais uma gargalhada coletiva. Certamente, o professor havia soltado mais uma piadinha. A revolta aumentou ainda mais, principalmente porque acabei sem conseguir, no momento, externar essa revolta e canalizá-la, no sentido de potencializar uma discussão mais profunda.
Veio uma série de coisas a minha cabeça: as propagandas de cerveja; a distribuição de revista pornô no CONED; meu pai me dizendo: você não pode ir ao estádio de futebol; a menina que falava no carro de som no CONUNE, enquanto as pessoas tapavam os ouvidos com as mãos, porque achavam sua voz “estridente”; minha mãe dizendo: arrume a casa e seu irmão vai pagar as contas e resolver os problemas mais sérios; as boates nas quais as mulheres entram de graça e servem de isca para atrair mais público... e minha angústia foi aumentando.
A opressão das mulheres é tão constante que já a naturalizamos; está tão próxima de nós que nem a percebemos mais. Eram mais de 40 alunos e todos riram, riram muito.
Sabemos que, historicamente a mulher foi “formada” para atuar no espaço privado, enquanto ao homem coube o espaço público. Todavia, não devemos saber também que o ser humano é contingente e hoje é impossível negar a conquista de espaço da mulher na nossa sociedade. E é importante pontuar que esse espaço não foi concedido! Foi conquistado através da organização e da luta das próprias mulheres.
O comentário do professor, relatado anteriormente, vem a evidenciar, além de uma sociedade, uma universidade extremamente conservadora, machista e completamente despreparada até para atender a demanda social ampla, que atualmente nos defrontamos. Entendo que a universidade deve ser sim um instrumento de transformação, tendo um papel tático na construção de uma sociedade mais solidária. Mas como romper com essa estrutura arcaica e cristalizada?
É preciso sim conquistar corações e mentes; é preciso sensibilizar. Precisamos unir nossas forças, juntar as nossas mãos, nos olharmos e nos reconhecermos como seres humanos e, assim, num mesmo ritmo, numa mesma dança, construiremos uma nova sociedade, uma nova concepção cidadania, onde qualquer forma de opressão não será admitida.
Edna
Estudante de Psicologia da UFPE
* Dois anos depois, entro no mestrado para discutir saúde e gênero. Mais dois anos depois, entro no Instituto PAPAI, uma ONG feminista. Trabalho com homens, masculinidades, tocando em questões delicadas como cuidado à saúde e violência. Tanta coisa construímos, mas... ainda hoje me surpreendo com esse texto, que, mesmo escrito há cinco anos atrás, ainda é tão atual. O caso da UNIBAN é só mais uma evidência disso.
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