terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Capítulo 6: Pobre Lili!





Fora o beijo no rosto da mãe, ao entrar e sair de casa, Lili era pouco afetuosa. Parecia que existia uma mão gigante dentro dela, que apertava seu coração até o sangue escorrer por entre os dedos. Como se fosse uma caçamba de gelo, gelando cada pedacinho de suas feridas. Feridas que ela já não conseguia mais ver ou sentir. O gelo fazia da dor uma inexplicável dormência. E, embora incomodasse, Lili parecia confortável assim.

O apelido Lili foi dado por seu pai. Um homem que foi exemplo em poucas coisas na vida, diferentes de ser pai. Era daqueles que fazia questão de trocar fraldas, colocar para dormir, ir ao primeiro dia de aula no Colégio; queria participar de tudo! Mesmo quando já estava separado de Flora, jamais perdeu um momento importante da vida de sua filha. E Lili tinha um amor por ele que cegava. Não conseguia ver um defeito sequer e isso, em alguns momentos, chegou a lhe distanciar da própria mãe.

A perda do pai era algo sentido cotidianamente. E aí não havia gelo que amenizasse a dor. Lili nem falava no nome do seu pai, mas curiosamente se apaixonou duas vezes por um Antônio. Será que era uma tentativa de encontrar em alguém do mesmo nome um acalanto para tanta saudade? Nem eu, nem você... ninguém jamais saberá. Afinal, além do gelo, havia também correntes em volta dela, que a isolava do mundo, que a impedia de falar sobre o vivido e sentido.

Lili era a melhor mistura possível de Flora e Antônio. Tinha a pele clara de Flora com os olhos claros de Antônio. Tinha a sensibilidade dele e aquela chatice necessária dela. Era muitíssimo inteligente. Lia tanto que não dava para acreditar que era só mais uma fuga. Fuga? É! Lili era nitidamente triste. Nem precisa conhecê-la muito para saber. Ela era daquelas que só via o lado negativo em tudo; que, diante das situações difíceis, ou se desesperava ou agia com tanto desdém que não contribuía nem um pouco para a resolução.

Até seis meses atrás, antes de conhecer Heitor, era difícil vê-la sorrir. Era difícil trocar palavras diferentes daquelas das mensagens burocráticas que enviava para a mãe. E quem a conhecia, sem antes entender o que ela já tinha vivido, sempre estranhava e se perguntava: pobre Lili! Como pode ser tão linda e tão triste?!

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