segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Capítulo 3: azul.

Estava tudo coloridamente azul... Flora via, escutava e respirava em azul. Uma tranqüilidade que não condizia com o turbilhão de sentimentos que vivenciava. Submerso na tranqüilidade daquele azul, estava um coração (ou dois) exageradamente pulsante, em ritmo de encontro. Um encontro de pés, no azul do toque. Um toque entre pés, sentido nos lábios, como um beijo. E o corpo se fez lábios. E o momento se fez beijo. Em um azul tão bonito quanto inexplicável. Flora sentia-se como há alguns anos atrás. Flora voltava a simplesmente sentir a si. A sensação era de encaixe, tão preciso que chegava a ter algo de assustador. Continente. Plenitude. Sensação só interrompida pelo toque do despertador. Hora de acordar. Flora olha para o lado e se vê na mesma cama, sufocada pelo mesmo calor de um dia de verão, esmagada nas suas possibilidades restritas de ser. Tentou fechar os olhos e voltar a se encontrar com o azul. Não mais conseguiu.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

2009

Nem eu agüento mais me escutar xingando o ano de 2009 e torcer para que ele se encerre logo. Hoje, senti remorso por isso. De fato, não posso dizer que 2009 foi um ano ruim.

Profissionalmente, foi o ano de colocar a mão na massa. Me apropriei melhor dos lugares que já estava e me lancei em novos desafios. Doeu bastante... mas, para mim, que sempre disse que “aprender dói”, essa dor já devia ser esperada. É bom encontrar cotidianamente sentidos no meu trabalho... me reconhecer como um tijolinho na construção de uma sociedade diferente, mais fraterna, menos desigual. Foi uma delícia trabalhar com jovens! Sempre disse que era melhor falar sobre juventude-adolescências do que lidar com eles. Hoje digo que pode até ser mais fácil, mas não melhor, não mais prazeroso. Cutucar, tocar e sentir o quanto isso provoca transformações é realmente entusiasmante! Estar à frente de uma equipe também foi um enorme desafio, que envolveu jogo de cintura, muito estudo e muita reflexão. Como aprendi!

Amorosamente, também vivi um ano desafiador. Fora o acidente, o dedo quebrado... sinto que foi o ano de nos reconhecermos. A descoberta da vida a dois, por dois... foi muito difícil para nós. Nos estranhamos, nos desentendemos feio. Chegamos mesmo a pensar em desistir. Só que tudo que vivemos fez também com que nos deparássemos com a grandiosidade e a dimensão do nosso amor. Um amor que surge do encontro de tantas diferenças; que se consolida no colo que somos sempre um para outro; no assunto que nunca acaba e, por mais distante que seja, nunca é chato. A curiosidade e admiração que temos um pelo outro fica não só como saldo do ano, mas como combustível para continuarmos caminhando juntos.

Senti foi uma falta danada das minhas amigas de sempre. Foi um ano de me sentir longe de Cintia-e-turla e isso doeu bastante. Principalmente porque o desejo de querer estar perto em nenhum momento deixou de existir. Mas, efetivamente, não consegui (ou não conseguimos) administrar o tempo, exageradamente corrido. Também me senti longe, querendo estar perto, de Dudu e Fafa. Deu saudade de tudo que vivemos e daquilo que não conseguimos viver, diante desse meu jeito desajeitado de ser (ou não ser) amiga. Por outro lado, continuei me sentindo perto de Nara. Incrível como nossa cumplicidade está até nisso. Como ela vive a mesma “dificuldade” que eu, criamos uma forma tão sincera de nos aceitar assim que não há tempo ruim e acabamos conseguindo nos fazer presentes nos momentos mais importantes. Descobri Larissa. Pois é! A ex do meu marido deixou de ser ex e passou a ser simplesmente minha amiga. A aproximação foi inevitável, até porque ela era, entre as amigas, a pessoa que eu mais via. E, no decorrer desse ano, esse “ver” se tornou também uma necessidade. Uma sintonia tremenda, que vai desde uma mensagem que envio,quando ela não está bem até um encontro repentino, quando eu estou aos prantos. É massa (e muito bonito!) perceber a relação que conseguimos construir e ter a certeza que ela está para além das obrigações de boa convivência. Tive boas surpresas... algumas alunas/os passaram a ser companheiros/as e amigos/as. E outras pessoas, contingencialmente distantes, fizeram-se presentes em momentos bem importantes. Minha conversa com Gabis, pelo Google Talk que o diga. Encontrei em meus sogros também grandes amigos. Mais do que o carinho entre pessoas da mesma família, encontrei colo, conforto e a certeza de não estar sozinha. Encontrei amizade onde já havia desistido. Como é bom olhar para Mari e, depois de tantos desentendimentos, me ver usufruindo prazerosamente da sua companhia, da nossa parceria no trabalho.

Foi um ano também de sentir falta da minha família, dos meus irmãos... falta de viver na mesma casa, de brigar só por conviver muito. Tivemos bem menos momentos juntos no ano do que eu gostaria, mas foram todos muito bons. É indescritível a sensação de querer ser como o meu irmão, admirá-lo tanto que chego a me emocionar, diante do homem que ele se tornou. Já minha irmã ainda me preocupa. É muito parecida com minha mãe. Me preocupo com elas e como as coisas são (ou se tornam) difíceis para elas. O amor é tão imenso que fico torcendo para que as coisas se tornem mais fáceis e tentando me fazer presente, mesmo com as distâncias impostas. Já com meu pai, sinto que foi o ano de só olhar para o lado bom. Experimentar um afeto que andava meio adormecido e tentar dividir (apenas um pouco) de vida com ele.

Intenso! 2009 foi mesmo intenso! Talvez por isso me sinta tão pesada. Parece que foram cinco anos em um. E isso realmente não é o que desejo para 2010. Mas que bom também que foi um ano de muito crescimento.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Capítulo 2: do ponto (.) aos dois pontos (:)

Ela enviou a carta, pelo correio, como antigamente. Porque precisava ir com a letra dela, com o cheiro dela, com parte dela... afinal, ela queria mesmo era poder (e conseguir!) dizer isso olhando para ele. É bem verdade que ela já havia tentado, mas, quando seus olhos se encontraram com os dele, não teve jeito. Ele riu, disse que ela era ainda mais linda por dizer isso, mas ela sentiu que, definitivamente, ele não acreditou em uma palavra.

Acho até que ele entendeu que era isso que ela queria sentir. Entendeu também o quanto ela estava se esforçando para dizer aquilo para ele e também para ela. Porque dizer para ele era sim uma forma de convencer a si.

A carta foi e tornou a noite seguinte ainda mais nostálgica. Flora já era uma menina nostálgica. Gostava de viver das lembranças vividas e até das não vividas. Tinha coisa que, mesmo com muita conexão com o vivido, ela simplesmente criava. E o exercício de ir além, de chegar até onde o não vivido estava, era realmente o que lhe deliciava.

Menina sonhadora. Da pele clara e olhos negros. Cabelos crespos. Flora era o Brasil... nas suas misturas, na sua dimensão, em seus sonhos... e, nessa noite, em seu coração. Era o Brasil em pleno carnaval, pulsante, contagiante, feliz. Porque enviar essa carta significava bastante.

Havia um quê de libertação nisso. Flora acreditava assim ter se libertado de um sentimento que lhe aprisionava em uma posição de cega desejante. Ao sentir-se simbolicamente cega e, com isso, reduzir suas censuras e interdições, poderia até falar em liberdade. O problema era que o desejo era tamanho, que ela se sentia aprisionada a essa intensidade.

É bem verdade que ela já quis desejá-lo menos. Mas foi essa tentativa, durante muito tempo, que lhe desgastou e fez com que ela descobrisse que não era possível. Ela quis não desejá-lo. Acreditou que não havia como viver meio termos e resolveu ir de encontro a esse desejo. Deixou de ver, de falar em seu nome, de enviar cartas, de olhar as fotos. Mas, diante da possibilidade de encontro, ela nunca resistia e, mais uma vez, não conseguia conter tamanho desejo.

Foi só aí que ela resolveu que o caminho era abdicar. Abdicar feito os pais abdicam das coisas em nome dos filhos; as pessoas abdicam das tentações mundanas em nome de Deus. Ela resolveu abdicar de tanto desejo. Agora sim parece que ela havia encontrado o melhor caminho. Afinal, também como o Brasil ou grande parte dos brasileiros, Flora sempre foi forte, determinada. Certamente, ela iria conseguir. E ela estava em festa por isso.

Os dias se passaram... um, dois, três, quatro dias... até que ela recebe uma mensagem em seu celular. A 17ª do dia. Ela já nem tinha mais paciência de ler. Imaginou que fosse de Lili, sua filha, já que 10 das 17 anteriores foram. Mas não foi.

A mensagem dizia: “Não sabia que você esteve aqui. Eu não estava. Precisamos conversar e sentir algumas coisas, ao vivo, antes de qualquer conclusão. Te amo muito!”.

Flora rapidamente apagou a mensagem do celular. Apertou o celular em seu peito, sentiu um frio na barriga, um coração batendo meio desesperado e subitamente sorriu.
A ambivalência do sentimento se materializou e escolheu o pólo (entre o sim e o não; o gostar e o não gostar; a alegria e a tristeza...) na mensagem que ela o enviou: “Sim. Conversaremos sim, sobretudo porque também amo você”.

O ponto (.)transformou-se em dois pontos (:) e eles ficaram pulando dentro de Flora, esperando a história que ainda está por vir, que ainda será escrita.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Solidão

Pois é! Jamais pensei que isso pudesse acontecer. Definitivamente, sou vítima de mim. Da minha sobrecarga de trabalho, do meu pouco tempo para os amigos, sobretudo, para cultivá-los. Hoje, me sinto um tanto sozinha. Com um marido que não me acompanha, a não ser quando eu o acompanho, nas suas atividades. Talvez, ele seja também vítima de si. Se duas amigas não me atendem, não me sinto à vontade para ligar para outras pessoas. E acabo sempre preferindo a cama, um livro, adiantar um trabalho, ou fazer nada no computador. Aí fico no computador até ninguém estar mais on line. Procuro aquela menina alegre, alto astral, que vivia na farra, rodeada de amigos, com toda disposição do mundo e que tinha um marido igualmente alegre. Não acho mais.

Não é fácil escrever isso, mas sinto que escrever é também me comprometer a mudar e construir um outro modo de existência. Certamente, não aquele de anos atrás. Mas, com certeza, uma forma mais leve e feliz. É! Acho que definitivamente é chegada a hora de “abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo”, mesmo que elas estejam no nosso corpo a um relativo pouco tempo... é chegada mesmo a hora de mudar, por mais doloroso que isso possa parecer.

sábado, 5 de dezembro de 2009

Desentendimentos

De repente, um “lenço” recai sobre o seu pé, mas parece que foi uma pesada pedra. Você grita ou, como no meu caso, você tenta respirar e falta ar... dói, como uma mão enorme esmagando o seu coração. E logo, diante da dor, vem um sentimento pequeno: se ele, descuidado, deixou essa pedra cair, deixarei cair uma ainda maior em seu pé. Aí você parte para o ataque! Só que, quando joga a pedra no pé dele, a pedra, de tão grande que é, também bate no seu pé. Mas o problema não é só o tamanho da pedra.

É aí que você percebe que os seus pés andam juntos, muito juntos, e, com todas as dificuldades, na maioria das vezes, andam no mesmo ritmo. Talvez por isso seja tão difícil reconhecer a falta de ritmo.

Apenas dois segundos se passaram. Ainda bem que foram só dois segundos... diante das horas vivenciadas antes e das que ainda serão depois. É aí que você deixa de olhar para o pé e olha nos olhos, escuta a voz e lembra que, se o “lenço” doeu tanto, foi porque ele é muito importante. E, no mundo em que vivemos, não dá para desistir das pessoas importantes. Elas são raras. Tão raras quanto os sentimentos importantes. Talvez esses sejam ainda mais raros!

É aí que vocês resolvem voltar a caminhar juntos e a procurar aquele mesmo ritmo. Com a certeza que irá encontrar. Afinal, o que é ritmo, quando há amor?
O pior (ou melhor) é que você se surpreende, ao descobrir que a queda daquele “lenço” não foi proposital. Ao dar uma chance e escutá-lo, ele explica que tava cansado, porque manter o ritmo com você não é a tarefa mais simples. Acabou tropeçando e, só por isso, o pesado “lenço” caiu. Ele se desculpa.

Antes de desculpá-lo, você olha para você e reconhece que, realmente, manter o ritmo com você não é uma tarefa fácil. Até porque, às vezes, nem você mesma consegue acompanhar você. Você volta a olhar para os olhos dele e, dessa vez, você pede desculpas. Desculpas por correr tanto que deixou de se preocupar com o ritmo dele. Não há como pensar em dois, se um pensa mais em um.

Você fala baixinho, com dificuldade, porque pedir desculpas não é uma coisa fácil! Principalmente, se esse pedido vem acompanhado do compromisso de fazer diferente. Ele simplesmente aceita seu pedido e segura na sua mão.

Vocês seguem no caminho de vocês, ensaiando um novo ritmo. Ritmo! Porque é certo que já não basta só o amor. E, buscando o mesmo ritmo, o amor se re-encontra com o respeito, com aquela imensa admiração, que faz você vê-lo (e ele vê-la também!) para além dos erros... vem também os sonhos compartilhados. Você olha para si e, com a mão dele em sua barriga, você descobre que vocês não são mais dois. São três... se não (ainda) concretamente, no desejo e, mais uma vez, nos sonhos. Porque é ele (apenas ele) que foi escolhido. Não em uma questão de múltipla escolha. Ele foi escolhido, quando aqueles sininhos tocaram no seu coração.

Com isso, você tem a certeza que nada mudou. Ou muda sempre, na medida em que mudam-se as cores. Cria-se um novo e belo colorido. A dor some na respiração seguinte a que veio.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Capítulo 1: convite (muito) importante!*

"Convido você para fazer parte da minha vida, como parte dela. Nada de exceções. Nada de para além... convido você para conhecer a minha casa, conhecer a minha família, quem sabe até dividir um pouco do meu cotidiano.

Convido-o após reconhecer o quanto de você há em mim, seja como presença, seja como vontade de presença. Convido-o após olhar para você, para mim, para nós e perceber o quanto somos mais do que dois corpos, explodindo de desejo (mesmo reconhecendo que somos muito isso também).

Estive aí por dois dias e, hoje, voltei para casa. Dessa vez, escolhi voltar para casa, já que na última vez que estive aí, depois de ver você, quase não consegui fazer isso. Espero que compreenda. E que receba o meu amor, nas condições que posso oferecê-lo hoje. Para mim isso é muito importante. Você, junto a todos os esforços de ressignificação, continua sendo importante. E isso não tenho a menor pretensão de mudar.

Um abraço bem apertado,
Flora."

*o início da minha "novela"!

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Páginas...

"escritas ou em branco. para os ditos e não-ditos. são páginas. páginas viradas. uma história contada que precisa sempre ser recontada. então, comecemos..."

Essa era a definição do blog que construímos há quase três anos. Construímos após a viagem à Chapada Diamantina, divisoras de águas na nossa vida. Tratava-se de uma história que seria escrita a oito mãos. Naquele momento, não conseguimos. Fora eu, apenas Cintia escrevu. Osa deu uma modificada na parte gráfica. Liu estava correndo e não conseguiu "se apropriar do espaço". Mas foi muito bom reler hoje e perceber como muito do escrito ainda é atual e forte! E tenho que dizer que deu MUITA vontade de voltar à Chapada e, assim, vivenciar no antes e no depois aqueles (ou outros!) turbilhões de sentimentos.Registro aqui os posts, com receio que se percam no blog antigo, que nem a senha tenho mais.

29.01.07. Vamos construir uma escada para lua?

Pode ser de barro, pintada com as cores do arco-íris.
Pode ser de nuvem, de luz; pode ser de abraços, de braços.
Muitos braços, muitas mãos, mas mãos sem pressa.
Será como fazer um carinho, um cafuné, porque é uma construção
que precisa ser feita beeeem devagarinho.

É preciso ter fé! Fé em Deus, fé nos homens, nas mulheres...
no degrau que virá! Sim, porque sempre haverá um
degrau para construir; haverá mais um pouco para subir.
Subiremos cada degrau; vislumbraremos cada nova paisagem...
na certeza de que um dia vamos chegar.
Mas o caminho já é a chegada! O caminho é feito de instantes.
Instantes, instantes... instantes para serem simplesmente sentidos. Sintamos!

20.01.07. A viagem (por Cintia)
Uma Viagem! Uma viagem não, A VIAGEM! Esse é o lugar certo: a Chapada Diamantina!

O começo para nos permitirmos simplesmente sentir... Sentirmos a vida, a natureza, a amizade, o amor, a simplicidade das pessoas, sentirmos a nós mesmas.

O começo do Quarteto Fantástico! Cada uma de seu jeito, com suas forças e fraquezas, mas com a certeza de uma amor eterno, mesmo que não seja presencialmente.

Com direito até a encontro marcado para daqui a vinte anos: 23/01/2027, em frente ao Acaica, às 17h. O começo de uma ano cheio de boas expectativas; o início de mudanças em nossas vidas.

Enfim, a possibilidade que precisávamos para viver com mais levez o nosso corrido dia-a-dia e sentirmos a nossa existência com mais tranquilidade...

Sem dúvida, a melhor viagem, com as melhores pessoas!!!


15.03.07. O tempo

O tempo de tocar-se,
tocar o novo .
De sentir,
sentir o novo.
Onde o áspero faz-se liso.
Mas o liso também se faz áspero .

O tempo. Ah! O tempo! Um tempo...
que som
transforma em música;
que a inquietude
veste de tranqüilidade.

Passa,
o tempo
passa,
passa,
sempre passa .

O tempo passa;
os gemidos se esvaem nos gozos;
e os suspiros se expressam em palavras.
Em versos,
mesmo que rasteiros... mesmo que reversos!

29.03.2007. Tum... tum...
É algo que pulsa, no ritmo das batidas, das minhas batidas, que se misturam e se transformam em nossas. É uma coisa que toca, toca de leve. E, ao tocar, acaricia, sossega, protege. Tem jeito de abraço, que se dá sem pressa, mas vem no meio de um desejo apressado. É a vontade de fundir-se, de dois fazer um... um "nós". Com um nó, cuidadosamente atado, no enlaço de mãos, de pernas... laços de vozes. Simples, como o preto no branco. Leve... e eu só preciso do silêncio para escutar as batidas... tum...tum...

11.05.08. Falando sério...
Uma matéria na Revista JC, no último domingo, chamou-me muita atenção ao se referir a “madrasta do bem”. Chamou tanta atenção que eu achei importante abrir uma brecha no cotidiano acelerado e procurar dialogar com parte do conteúdo da matéria.

Primeiro, achei importantíssimo se abrir esse espaço, no contexto que estamos vivendo. Eu tenho uma enteada de três anos e venho sentindo olhares diferentes e questionadores até quando, eventualmente, sou eu que vou buscá-la na Escola. Dá para entender o porquê dos olhares, mas, ao mesmo tempo, é preciso desmistificar essa figura da madrasta como do mal. Alguns livros até sugerem a nomeação de “mulher do pai”, com intuito de se despir dos preconceitos associados à figura da “má-drasta” – a que vem substituir a mãe.

Sem descartar a contribuição da matéria e, agora, falando como psicóloga; isto é, como uma profissional que, além de vivenciar essa experiência na pele, também vivencia na prática profissional, acredito que é preciso relativizar algumas coisas. Nesse sentido, o quadro na reportagem intitulado “uma relação delicada”, que traz algumas dicas de especialistas, causou-me incômodo. E, também como especialista, acredito que há outras vozes que poderiam ter visibilidade nesse momento da reportagem.

Primeiro, é preciso relativizar duas coisas: a idade do filho em questão e a configuração do término da relação conjugal, da qual o filho é fruto. Digo isso porque a experiência que vivo hoje, enquanto “mulher do pai”, com uma menina de três anos é muitíssimo diferente daquela que vivi como filha, quando tinha 13 anos e meus pais se separaram. Uma criança de três anos está em um momento do desenvolvimento psíquico, no qual a separação dos pais tende a ser menos dolorosa, uma vez que ela passará a se constituir como pessoa dentro de outro modelo de referência. Uma adolescente de 13 anos, ao ver seus pais se separando, tem o seu modelo de referência familiar quebrado e, consequentemente, essa quebra é somada a diversas crises, típicas desse momento do desenvolvimento de sua personalidade.

Essa diferença, aqui exemplificada pelos processos vivenciados por uma menina de 13 e outra de 03 anos, repercute diretamente na forma como as mesmas poderão se relacionar com “a mulher do pai”. Então, se o foco da reportagem era essas relações, penso que é central, ao lançar o olhar sobre as mesmas, considerar essas particularidades.

E, aí, as dicas trazidas pelo referido quadro, realmente, não consideram essas particularidades e acabam soando como receitas, em um momento de tanta complexidade, onde as recitas prontas são cada vez menos eficientes. Restringir-me-ei a apenas duas dessas dicas, a titulo de exemplo:

“A mulher do pai deve intervir o mínimo possível no dia-a-dia dos enteados. Ordens e regras de comportamento precisam ser dadas com o aval do pai”

“O pai pode estimular o vínculo entre a atual esposa e a mãe, para promover a educação infantil. Mas essa ligação não deve ser intensa e sim necessária apenas para tratar de assuntos envolvidos com a criação”.

No primeiro caso, é preciso ressaltar que, embora esse cuidado com a intervenção seja pertinente, dependendo dos dois fatores que coloquei (idade da criança e configuração do término da relação conjugal) é inevitável. Ao contrário, penso que a intervenção é até recomendável, uma vez que é importante também para a relação conjugal atual (atual esposa-pai) a co-responsabnilização em tudo, sobretudo, em algo tão importante como a educação e o dia-a-dia dos filhos. Nesse sentido, por mais que a relação não deva nunca ser de substituição, é preciso (às vezes, dolorosamente) reconhecer sim que as crianças poderão construir outras referências de pai e mãe em suas vidas. O cuidado é pra que isso não seja forçado.

No segundo caso, soa-me esquisito dizer que a relação não deve ser intensa, uma vez que penso que ela, por si só, já é. É necessário estar atento para o espaço que as duas partes da relação abrem. Se há espaço, acredito que uma relação de proximidade é sim importante e, mais ainda, fundamental para o filho envolvido.

Acredito que acabei escrevendo demais. Tantas inquietações, fruto da vivência e da própria experiência profissional... talvez a maior inquietação seja a de que vivo algo bem diferente. Tenho uma enteada de três anos, com a qual convivo muito bem, em uma relação de carinho e amor recíprocos. Ao mesmo tempo, tenho uma relação tranqüila com a sua mãe, expressa em algumas parcerias, como compra de matérias escolares, organização de aniversários, divisão de sofrimento e preocupação nos momentos de doença. Os problemas que temos são àqueles comuns a todas as relações humanas.

Teria algumas outras coisas para dizer, como, por exemplo, problematizar por que para o padrasto, ou seja, para o marido da mãe, esses questionamentos não são tão freqüentes... essas “crises” não são tão intensamente vividas? Talvez seja tema para outra matéria: discutir essas diferenças, já como uma questão de gênero, em uma sociedade ainda patriarcal e machista. Mas isso fica para depois!

Edna Granja
Psicóloga, mestre em psicologia pela UFPE e “mulher do pai” de Gabi.

20.09.08. Entre dividir e guardar...
Pois é! É o dilema dos últimos dias... talvez, por a felicidade ser tão intensa, a vontade de compartilhá-la e, de alguma forma, fazer com que ela contagie outros e outras também é igualmente intensa.

É interessante porque mesmo falando de felicidade não falo de algo pleno. Quero dizer que nem acredito em felicidade plena. A felicidade que sinto, que me encanta e me alimenta, é um sentimento composto por tantos outros sentimentos, muitas vezes tão contraditórios! As conquistas se misturam com as pressões, com os aperreios, com as expectativas de futuro, que vem com sonhos e medos... enfim, são tantas coisas. Alguns me perguntam: e como, ainda assim, falar em felicidade?

Penso que felicidade é olhar para trás, olhar para o hoje e se ver diferente, se ver melhor. É ver que o que antes era apenas planos ou sonhos hoje é realidade; é vivenciado. Não há nada melhor do que isso.

Um dia sonhei em encontrar um amor. Alguém com quem eu pudesse ser quem sou e que junto comigo alimentasse o sonho do "apaixonamento e re-apaixonamento cotidiano"... isso porque cresci escutando que um dia a paixão acaba e as relações esfriam, "mantendo-se pelo respeito". Encontrei um homem que há um ano e meio divide isso tudo comigo. Um homem lindo... o pai que eu sonhei para os meus filhos. Um homem que faz eu me apaixonar e re-apaixonar todos os dias; que me surpreende sempre! Alguns dizem: "é porque é o começo". E eu respondo: que esse começo dure para sempre! E, nas palavras de Cintia, que esse para sempre dure muito!

Um dia sonhei em conseguir um emprego que, além de me dar prazer, me desse condições de viver de forma digna. Sonhei em fazer mestrado, dutorado, em dar aulas. Eu fechava os olhos e já me via em sala de aula. E hoje, fora o doutorado que já está entre os planos próximos, faço todas essas coisas e acordo muitíssimo feliz por isso, todos os dias! Ainda como mestranda, sonhei em trabalhar no Instituto PAPAI - um lugar no qual sentia que podia me encontrar profissionalmente e politicamente... um lugar que, para mim, ao longo da minha formação, se fez referência. E, hoje, também posso por isso comemorar: eu sou a mais nova assistente de projetos do Instituto PAPAI. Noooossa!

Poderia continuar uma longa lista de conquistas, de passos bem dados... passos meus e de pessoas muito próximas, que eu vejo crescendo, crescendo e conquistando tudo que sonharam. São pessoas que conquistam, perdem... e são felizes, mesmo assim... assim como eu. Aí me pergunto: não seria melhor guardar tudo isso, com o intuito de não gerar energias negativas? Ou é melhor dividir com as pessoas queridas, que gostam de mim e que, certamente, ficarão um pouco mais feliz ao me ver feliz?

Difícil escolha! Desde que Pai Bob me disse, ainda em 2007, em Salvador, que são "muitos olhos" em cima de mim, sinto que desenvolvi, nas palavras de Tiago, umas "idéias persecutórias", como se sempre tivesse alguém ocupado em me destruir. Coisa louca essa, né? Um sentimento desagradável! Mas o pior é que é um sentimento que é corroborado por algumas tentativas de me passar a perna e ainda por pessoas que resolvem dar "piti", quando percebem essa felicidade... como uma tentativa de, ao menos, borrrá-la. Como se eu, ou as pessoas que estão ao meu lado, não tivesse o direito de ser feliz.

Pois quero dizer que tenho direito e vou desfrutar disso tudo sim.... e quem quiser que venha comigo, que beba um pouco disso, que usufrua um pouco dessas boas energias. E, mesmo com essa preocupação, que vem com o questionamento de "dividir ou guardar?", quero dizer que, ao menos hoje, não vou calar o grito de felicidade, não vou reprimir o desejo de abraçar as pessoas mais queridas e fazê-las um pouco mais felizes... não vou!

Talvez o que eu vivo hoje seja a felicidade da libertação. É com nem um pouco de orgulho que aqui confesso que, durante algum tempo, vivi a "felicidade da comparação". Na verdade, acho que dessa forma não é nem possível falar em felicidade, porque você acaba saindo se comparando com um monte de gente... pega o melhor de cada pessoa e se compara com aquilo (eu queria ser divertida como fulana, inteligente como sicrana, desenrolada como beltrana...). O resultado é insatisfação, frustração.

É! Pelo menos para mim, o sentir-me feliz veio junto com a libertação de certas "referências" e aceitação do meu lugar no mundo. A aceitação de que falo, vale ressaltar, nunca é passiva, já que as referências também podem nos motivar a crescer e a buscar o que queremos. Vamos dizer que a aceitação tem um caráter menos dramático e doloroso, à medida em que você reconhece, com tranquilidade, tanto o seu lugar, quanto as suas possibilidades diante desse lugar.

Para ser feliz, penso que é preciso também escolher com cautela qual vai ser o seu alimento. Isto é, quem são as pessoas que quero por perto, em que páginas de orkut devo entrar e não entrar. Digo isso porque percebo que, de forma muito interessante, tendemos a buscar o que nos faz mal, o que coloca pulgas atrás de nossas orelhas e até o que nos faz sentir menores.

Falando dessa história de orkut... até pensei em sair! Pensei porque era só entrar na página do orkut que a minha mão era tomada por uma força que me levava por caminhos já estabelecidos.... me levava a endereços que propiciavam encontros com sensações que mais na frente vi que não constróem nada! Talvez porque intensifiquem as ditas comparações, frustrações... enfim, que coisa louca é esse orkut! Acredito que, se eu soubesse que saindo não teria mais como entrar e manter esse movimento, eu até tomava uma atitude drástica e cometeria um "orkutcídio". Mas tenho certeza que, se eu sair, vou continuar vendo pelo de Lucas ou pelo de Cintia. Acaba dando no mesmo!

Para mim, hoje, é mais interessante ensaiar formas mais saudáveis de convivência com esse tal de orkut. Formas com as quais eu cultive mais e envie mais enrgias boas do que ruins. Vamos ver... na verdade, essa tentativa está só começando. É muito provável que essa tentativa de me relacionar melhor com o orkut faça parte da retomada de um movimento de "descarrego" e busca de novas e boas energias, por mim intensamente vivenciado no final de 2006/ início de 2007.

Naqueles tempos... me juntei com Turla, Cintia e Liu, a partir da idéia de levar a vida de uma forma diferente. Talvez, a grande sacada tenha sido começarmos a ser mais rigorosas na identificação do que realmente é essencial e do que é secundário nas nossas vidas, E aí acabamos seguindo em busca do essencial... seguimos juntas!

Está aí! Conseguir diferenciar o essencial do secundário! Será esse o caminho da felcidade? Se pensarmos na quantidade de tempo e de energias que gastamos com coisas bobas, talvez seja sim...

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Violência contra as mulheres não tem graça nenhuma

No final de novembro, vivemos o dia internacional de luta pelo fim da violência contra as mulheres. Muitos acham uma bobagem, mas não há como negar que ainda vivemos no estado onde se registra o maior número de violências contra as mulheres. O pior é pensar que esse número, que já e grande, não é verdadeiro, já que é dado com base na quantidade de denúncias. Sabemos que a quantidade de mulheres que sofre violência e não denuncia é enorme e, com certeza, faz com que os números divulgados sejam bem menores do que os reais.

Atualmente, algumas pesquisadoras desenvolvem a tese que o fenômeno da violência urbana, de forma geral, tem origem na violência doméstica, sobretudo, naquela direcionada à mulher. Ao que parece, o fato de conviver com a violência desde a mais tenra infância contribui para que essa seja naturalizada e os atos violentos são assim, muitas vezes, considerados legítimos. Pense bem... se você cresce convivendo com a violência cotidianamente, sem muitas vezes ter acesso a outras referenciais de relação, por que não repitir isso nas relações lá fora?

A violência quando a mulher trai ou quando ela não cumpre tarefas, tais como cuidar bem do lar, parecem ser mais aceitas. As novelas apresentam cotidianamente essa “autorização”. Recentemente, nA Favorita, muita gente vibrou quando Dedina, que traiu o prefeito Elias, foi arrastada e apanhou em praça pública. A cena era bem emblemática, porque mostrava pessoas na praça, assistindo a cena e seriamente balançando a cabeça, com aquele ar de “bem feito”. Mas em que medida a violência é justificável? Penso que em nenhuma.

O que mais me espanta é como essa mesma violência, que já matou 291 mulheres no estado de Pernambuco, só esse ano, ainda veste a roupa de piada. E não é por pessoas sem “esclarecimento” não! Ultimamente, assisti a um vídeo de pessoas bem legais, que se reúnem mensalmente em um bar, para se confraternizar, tocar, beber. A música tocada entusiasmadamente era “ela ficou vesga”, que conta a história de uma mulher que apanhou feio do marido. Aí me lembrei do Quanta Ladeira, um bloco de pessoas super legais, e da música “se a mulher encher, se a mulher encher, chegando em casa dou um pau, se a mulher encher”.

Fico, realmente, assustada com a habilidade de fazer piada com assuntos tão sérios. Não consigo rir e, certamente, sou chamada de chata por muitos. E sou! Sou chata e intolerante, nesse sentido. Talvez, se todos se recusassem a rir, a fazer piadas com esses assuntos tão sérios, a gente conseguiria mudar um monte de coisa, nessa sociedade ainda tão desigual. A violência contra as mulheres não tem graça nenhuma!

O problema é que são essas pessoas que continuam vendo como coisas distintas o seu “eu” e da “sociedade”. São essas mesmas pessoas que enchem a boca para fazer discursos super críticos e duros, do tipo “a sociedade faz isso; ou o governo faz aquilo”, e não se implicam jamais nos problemas sociais que atravessam o cotidiano e, por isso, também são nossos. Tão nossos que a nossa forma de se posicionar ou não nos espaços está diretamente atrelada à superação ou manutenção de tais problemas.

É! Chatice! Trincheira, como diria meu cunhado. Me rotulem do que quiserem... mas seguirei lutando e me posicionando, diante de cada ato de opressão, seja ele qual for. E seguirei perto, cada vez mais perto, das pessoas que assim se colocam no mundo... de forma responsável, crítica e comprometida com a superação de tantas desigualdades.