quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Capítulo 2: do ponto (.) aos dois pontos (:)

Ela enviou a carta, pelo correio, como antigamente. Porque precisava ir com a letra dela, com o cheiro dela, com parte dela... afinal, ela queria mesmo era poder (e conseguir!) dizer isso olhando para ele. É bem verdade que ela já havia tentado, mas, quando seus olhos se encontraram com os dele, não teve jeito. Ele riu, disse que ela era ainda mais linda por dizer isso, mas ela sentiu que, definitivamente, ele não acreditou em uma palavra.

Acho até que ele entendeu que era isso que ela queria sentir. Entendeu também o quanto ela estava se esforçando para dizer aquilo para ele e também para ela. Porque dizer para ele era sim uma forma de convencer a si.

A carta foi e tornou a noite seguinte ainda mais nostálgica. Flora já era uma menina nostálgica. Gostava de viver das lembranças vividas e até das não vividas. Tinha coisa que, mesmo com muita conexão com o vivido, ela simplesmente criava. E o exercício de ir além, de chegar até onde o não vivido estava, era realmente o que lhe deliciava.

Menina sonhadora. Da pele clara e olhos negros. Cabelos crespos. Flora era o Brasil... nas suas misturas, na sua dimensão, em seus sonhos... e, nessa noite, em seu coração. Era o Brasil em pleno carnaval, pulsante, contagiante, feliz. Porque enviar essa carta significava bastante.

Havia um quê de libertação nisso. Flora acreditava assim ter se libertado de um sentimento que lhe aprisionava em uma posição de cega desejante. Ao sentir-se simbolicamente cega e, com isso, reduzir suas censuras e interdições, poderia até falar em liberdade. O problema era que o desejo era tamanho, que ela se sentia aprisionada a essa intensidade.

É bem verdade que ela já quis desejá-lo menos. Mas foi essa tentativa, durante muito tempo, que lhe desgastou e fez com que ela descobrisse que não era possível. Ela quis não desejá-lo. Acreditou que não havia como viver meio termos e resolveu ir de encontro a esse desejo. Deixou de ver, de falar em seu nome, de enviar cartas, de olhar as fotos. Mas, diante da possibilidade de encontro, ela nunca resistia e, mais uma vez, não conseguia conter tamanho desejo.

Foi só aí que ela resolveu que o caminho era abdicar. Abdicar feito os pais abdicam das coisas em nome dos filhos; as pessoas abdicam das tentações mundanas em nome de Deus. Ela resolveu abdicar de tanto desejo. Agora sim parece que ela havia encontrado o melhor caminho. Afinal, também como o Brasil ou grande parte dos brasileiros, Flora sempre foi forte, determinada. Certamente, ela iria conseguir. E ela estava em festa por isso.

Os dias se passaram... um, dois, três, quatro dias... até que ela recebe uma mensagem em seu celular. A 17ª do dia. Ela já nem tinha mais paciência de ler. Imaginou que fosse de Lili, sua filha, já que 10 das 17 anteriores foram. Mas não foi.

A mensagem dizia: “Não sabia que você esteve aqui. Eu não estava. Precisamos conversar e sentir algumas coisas, ao vivo, antes de qualquer conclusão. Te amo muito!”.

Flora rapidamente apagou a mensagem do celular. Apertou o celular em seu peito, sentiu um frio na barriga, um coração batendo meio desesperado e subitamente sorriu.
A ambivalência do sentimento se materializou e escolheu o pólo (entre o sim e o não; o gostar e o não gostar; a alegria e a tristeza...) na mensagem que ela o enviou: “Sim. Conversaremos sim, sobretudo porque também amo você”.

O ponto (.)transformou-se em dois pontos (:) e eles ficaram pulando dentro de Flora, esperando a história que ainda está por vir, que ainda será escrita.

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